terça-feira, 20 de julho de 2010

2.

o pó é aquilo que se desprega do outro:
outro objeto
outra pessoa
o acúmulo não é só daquilo que se forma na casa
mas que vem voando de outras casas, de outras cascas

desse modo o fio de cabelo talvez não seja apenas meu.

1.

estou muito preocupada
com a água que escorre pelo chuveiro
uso-a demais
muito preocupada com um exagero meu
não sei mais qual é
quero preocupar-me
mas eu vivo num quartinho escondido do mundo
silenciada
tomo muito banho
arrumo muito a louça
sou bem domesticada
vigio o acúmulo do pó
isso é muito lindo: vigiar não o pó, mas seu acúmulo.
quando há pó suficiente varro-o para formar bolinhas
o que também é de uma beleza doméstica estoteante
estonteante é alguma moça bunduda e loira, de cabelos compridos...
mas para mim são as bolinhas de pó, amarradas pelos meus fios de cabelo
só podem ser meus
não há mais gente aqui.
daqui o mundo deveria importar-me
doer-me
mas a minha sinceridade leva-me a afirmar
que não há incômodo:
a beleza do pó, a beleza do acúmulo, a beleza do meu tempo
a beleza da minha gentileza periódica em brincar com bolinhas de sujeiras domésticas.
há beleza
e importância (servil) na minha vida honesta.

terça-feira, 13 de julho de 2010

acidentais

hoje a vassoura escapou da minha mão e bateu no meu olho esquerdo. senti uma não-dor, dor vazia, achei que meu olho havia afundado.
agora tenho um olho esquerdo mais do que nos outros dias.
fui guardar a louça, ao pegar o garfo enfiei meu dedo nele, o indicador direito. um grau reconhecível de dor, não foi estranha como a do olho.
pensei sobre isso...
os pregadores caíram dentro do tanque com água, os resgatei; impacientei-me e os joguei todos no chão.  mais tarde recolho.  
tudo acidental ou uma conspiração?   

não escrevo algum tempo
a casa me deixa assim
com uma não-dor.