terça-feira, 20 de julho de 2010

1.

estou muito preocupada
com a água que escorre pelo chuveiro
uso-a demais
muito preocupada com um exagero meu
não sei mais qual é
quero preocupar-me
mas eu vivo num quartinho escondido do mundo
silenciada
tomo muito banho
arrumo muito a louça
sou bem domesticada
vigio o acúmulo do pó
isso é muito lindo: vigiar não o pó, mas seu acúmulo.
quando há pó suficiente varro-o para formar bolinhas
o que também é de uma beleza doméstica estoteante
estonteante é alguma moça bunduda e loira, de cabelos compridos...
mas para mim são as bolinhas de pó, amarradas pelos meus fios de cabelo
só podem ser meus
não há mais gente aqui.
daqui o mundo deveria importar-me
doer-me
mas a minha sinceridade leva-me a afirmar
que não há incômodo:
a beleza do pó, a beleza do acúmulo, a beleza do meu tempo
a beleza da minha gentileza periódica em brincar com bolinhas de sujeiras domésticas.
há beleza
e importância (servil) na minha vida honesta.

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